08/10/2010

RUBEM FONSECA

O escritor brasileiro, Prémio Camões em 2003, está de volta ao romance. O Seminarista, chega às livrarias portuguesas, e mostra como a sua pontaria continua afinada. E a reforma, aos 85 anos, bem longe do horizonte.

Desde os primeiros livros de contos, publicados na década de 1960, é através do trabalho subtil com o ponto de vista que Rubem Fonseca surpreende, embora a sua obra gire obsessivamente em torno do mesmo tema, desdobrado em múltiplas faces: o da verdade como ilusão retórica. Não é por acaso que um dos personagens recorrentes no universo ficcional do autor seja Mandrake, ilusionista da palavra, assim como o outro Mandrake, o das histórias em quadradinhos, é um mestre da prestidigitação, um ilusionista do olhar.

Foi com estrondo que Rubem Fonseca regressou ao romance, com O Seminarista, lançado no Brasil em 2009. Habituados à discrição do escritor, que raramente aparece em público e não concede entrevistas, jornalistas, críticos e leitores brasileiros não deixaram de se surpreender com um aparente renascimento. Durante alguns meses, Rubem Fonseca deu que falar. Mudou de editora, quebrando uma relação de mais de 20 anos com a Companhia das Letras. Na Agir, do grupo Ediouro, de par com este inédito, publicou dois livros antigos, iniciando a re-edição das suas obras. Além disso, não se coibiu de participar ativamente na promoção de O Seminarista. Com a ajuda do filho, José Fonseca, criou um vídeo no qual lê um excerto do primeiro capítulo. Na imprensa, publicou um texto sobre as vantagens dos e-books, já que os seus livros passaram a estar disponíveis nesse formato. Foi um regresso à matador, com o carregador bem cheio e o dedo colado ao gatilho. De tal forma que alguns disparos chegaram a Portugal, onde a sua obra também está em foco a partir desta rentrée. Com O Seminarista, a Sextante dá início à publicação regular dos romances e contos de Rubem Fonseca, que prosseguirá, em Fevereiro de 2011, com Bufo & Spallanzani (de 1986).

"Sou conhecido como o Especialista, contratado para serviços específicos. O Despachante diz quem é o freguês, me dá as coordenadas e eu faço o serviço. Antes de entrar no que interessa - Kirsten, Ziff, D.S., Sangue de Boi - eu vou contar como foram alguns dos meus serviços". Lemos o primeiro parágrafo e reconhecemos automaticamente o seu autor.

A obsessão temática de Rubem Fonseca, faz-nos voltar sempre ao local do crime, duvidando das nossas cómodas certezas, traz à lembrança um outro escritor — Machado de Assis — que, segundo Antonio Candido, passou a vida inteira, ilustrando uma única pergunta. Por sinal, a mesma que atravessa toda a ficção do autor de “O seminarista”: “Se a fantasia funciona como realidade; se não conseguimos agir senão mutilando o nosso eu; se o que há de mais profundo em nós é no fim de contas a opinião dos outros; se estamos condenados a não atingir o que nos parece realmente valioso, qual a diferença entre o bem e o mal, o justo e o injusto, o certo e o errado?”

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