11/12/2010

HOLGER CZUKAY

"Tínhamos bilhetes marcados para o Wilhelm Gustloff [o Titanic do regime nazi], mas a minha avó não quis viajar de navio. Então fomos de comboio, numa carruagem que transportava soldados feridos, e o navio foi torpedeado pelos russos. Morreram dez mil pessoas." É assim que o baixista, compositor e pioneiro da utilização do estúdio enquanto ferramenta de composição Holger Czukay começa a descrever a sua biografia.

Nascido na cidade-livre de Danzig (agora Gdansk), na Polónia, em 1938, um ano antes da Segunda Guerra Mundial, a família de Czukay emigrou para a Alemanha tinha o músico seis anos, para escapar ao conflito. Na adolescência, assistiu a uma palestra do compositor Karlheinz Stockhausen, que se demonstrou marcante na vida do músico alemão.

"Havia um homem no público que disse: 'O senhor quer chocar- -nos com a sua música, e entretanto vai ganhar muito dinheiro à nossa custa.' O Stockhausen respondeu que apenas o fazia por razões musicais. Quanto a dinheiro, não precisava de se preocupar, porque tinha casado com uma mulher rica." Czukay tornou-se, pouco tempo depois, pupilo do "último compositor europeu", nas suas palavras, com o qual estudou por três anos.

"O Stockhausen tinha um entendimento absoluto da música. Ensinou-me a deixá-la falar por si própria, a saltar o muro para descobrir onde vou aterrar. Um dia disse-me: 'O pássaro, quando aprende a voar, tem de sair do ninho.'"

Foi na Suíça, precisamente enquanto estava à procura de uma esposa rica, que conheceu Michael Karoli, o guitarrista e co-fundador dos Can, o seminal grupo de rock vanguardista alemão, cujo alinhamento viria a cristalizar com a entrada do baterista (e metrónomo humano) Jaki Leibzeit, o teclista Irmin Schmidt e o vocalista japonês Damo Suzuki, que abandonou o grupo em 1973, depois de Future Days.

Os Can tornaram-se um dos timoneiros do movimento krautrock, que adaptou a linguagem do rock britânico e americano a uma identidade distintamente alemã. "Era uma banda muito séria, tornou-se mais importante do que as nossas vidas pessoais. Discutíamos imenso. Uma vez, um jornalista perguntou-me a mim e ao Jaki [Liebzeit] qual tinha sido a nossa maior discussão, eu disse- -lhe que ele já me tinha ameaçado com uma faca. É verdade, veio direito a mim com uma faca enquanto eu gritava 'vá, mata-me!'"

Em 1977, abandonou os Can, a meio da digressão que nesse ano trouxe o grupo a Lisboa e ao Porto. Com Movies (1980), torna-se uma das figuras de proa do nascimento do techno enquanto género distinto do registo académico em que a música electrónica se inseria, embora ainda esteja ligado ao influente grupo germânico: "Tornou-se o meu seguro de vida."

A solo, Holger Czukay tornou-se um dos pioneiros do sampling como substituto para um vocalista tradicional, e como ferramenta de composição. "Se não posso encontrar um cantor a sério, obtenho um cantor virtual", ironiza, acerca da inovação, hoje utilizada quase universalmente na música electrónica e de dança.

Hoje, 33 anos depois de ter deixado os Can, o baixista tocou a 9 Abril, no Lux (Lisboa), num cartaz partilhado com os lisboetas Gala Drop.

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