21/09/2010

Elizabeth Taylor e Richard Burton

A paixão deles foi adúltera, escandalosa, atormentada, eterna. As suas vidas inauguraram a celebrity culture dos reality shows. Mas só agora Elizabeth Taylor revela as cartas que Richard Burton lhe escreveu: "My blind eyes are desperately waiting for the sight of you."

1962, Cineccittà. Os paparazzi - já se chamavam assim, dois anos antes Federico Fellini filmara La Dolce Vita e dera o nome de Paparazzo a um fotógrafo, o que passou a designar, como dizer, uma ambição, uma atitude... - acamparam fora dos estúdios ou seguiam o casal Via Venetto abaixo e acima. Richard era casado, com Sybil. Liz com Eddie Fisher, o homem que "roubara" à sua amiga Debbie Reynolds para se consolar do estado de viúva inconsolável devido à morte, num desastre de avião, do grande amor da sua vida, o produtor Mike Todd. Mas Eddie - e aqui entramos por um pedaço de psicologia sexual que Furious Love tacteia - já tinha sido domado, e Liz precisava de novas e maiores emoções. Burton era uma melhor versão de Mike Todd, era a sua alma gémea sexual. E havia o álcool.

My blind eyes are desperately waiting for the sight of you. You don"t realize of course E. B. how fantastically beautiful you have always been, and how strangely you have acquired an added and special and dangerous loveliness. Your breasts jumping out from the half-asleep languid lingering body, the remore eyes, the parted lips.

LizandDick, 1962, Roma, um resumo: tentativa de suicídio de Taylor dentro de uma camisa de noite Christian Dior, depois de Burton lhe ter dito que nunca poderia abandonar a mulher, Sybil.

Eddie Fisher com uma pistola apontada à mulher adúltera, mas depois a dizer "descansa que não te mato porque és bonita de mais".

Foi durante a rodagem que Burton pediu o divórcio à mulher, mas o divórcio entre Liz e Eddie só seria decretado em 1964, ano em que Elizabeth e Richard passaram então a ser um casal segundo a lei dos homens. Era o segundo para Richard, o quinto para Elizabeth.


LizandDick, conjugalidade, resumo (1964-1973; 1975-1975): Taylor adorava os ímpetos alcoólicos de Burton, e segundo Furious Love precisava de uma boa cena de luta conjugal em público - isto é, animalidade. Que podia ser selada com um Van Gogh. Elizabeth comia, bebia e arrotava como na taberna dos galeses, antídoto (entramos de novo pelos pedaços de psicologia de Furious Love) à sua beleza algo delicodoce - o apetite pelo foie gras, pela galinha frita e pelo puré de batata ou pelo Bloody Mary dava-lhe um suplemento de realidade, tornava-a mais carnal, dizem os autores do livro. Era uma forma de rasgar o que tinha sido desde miúda, desde que era child actress, o corpete em que estava metida desde Lassie - e como se quisesse estilhaçar também grandes planos como os de A Place in the Sun e aquele romantismo dorido com Montgomery Clift.

Na rodagem de A Noite de Iguana (1964) de John Huston, ela foi acompanhar o já marido à rodagem, no México, e não ficava atrás de nenhum dos homens - a fasquia era alta: havia Burton e havia Huston, e havia Ava Gardner, que se já não era o mais belo animal do mundo ainda era um homem no que toca à bebida.


Em 1965, Vincente Minnelli colocou-os como homem e mulher adúlteros em pleno Big Sur, em The Sandpiper - e com Eva Marie Saint a fazer de mulher abandonada da personagem de Burton na qual muitos viram um retrato de Sybil, a mulher de quem o actor se divorciara. A personagem de Taylor, uma mente livre, vivia em pleno milieu de beatnicks, nudistas, e etc., mas, para quem vivia rodeada de jóias e de dólares na vida real, transformar-se em ícone da contracultura dos 60s era tarefa inglória. E não tinha o corpo andrógino que começava a estar na moda. O filme foi olhado com desdém e com desconfiança por um (novo) público emergente. Era um sinal de que um mundo estava a acabar. Mas antes disso houve um golpe de rins, Quem Tem Medo de Virginia Woolf (Mike Nichols, 1966): Liz engordou, "envelheceu" para fazer de Martha, e Richard permitiu todo o espaço à mulher para brilhar fazendo de humilhado George. Jeu de massacre, Quem Tem Medo de Virginia Woolf permitiu aos dois darem azo à sua fisicalidade: como se, ao bater em Richard/George, Liz pacificasse a sua necessidade de luta. E Martha/Liz começa logo a abrir com o seu What a dump!, imitação de uma line famosa de Bette Davis. Foi o segundo Óscar para ela (o primeiro, em 1960, foi com Butterfield 8), mas não haveria nenhum para Burton. Só que, por mais bravado que exista na Martha da actriz, quem foi ao cinema não via as personagens, via Liz e Dick, que nunca poderiam desaparecer naquilo que interpretavam.

E o mesmo aconteceu com A Fera Amansada (1967), de Franco Zefirelli, versão feliz e rocambolesca, via Shakespeare, da turbulência conjugal dos Burtons. Com a incontinência de calão que Liz alardeava. E foi outro sucesso.

Os biógrafos falam na série de filmes que fizeram juntos como um espelho que não os deixava. E quanto a ela, a Liz, como uma espécie de inversão da actriz do Método: como se tivesse aprendido a escolher os filmes por aquilo que estava a acontecer na sua vida, sim, mas sobretudo acabando por ser empurrada na vida pelo imaginário das personagens e dos filmes. Joseph L. Mankiewicz: "Ela era o oposto da maioria das outras estrelas... para ela, viver era uma espécie de actuação" - provavelmente estaria a lembrar-se (isto somos nós a perpetuar o mito...) de uma cena de ciúmes de Cleópatra por causa de Marco António, em que Taylor teria gritado... Sybil.

O golpe de rins que foi Quem Tem Medo de Virginia Woolf e o sucesso comercial e artístico da empreitada não vieram escamotear que se foram o primeiro casal reality show, o show estava a acabar: eles foram os últimos de uma espécie. Na obsessão de concorrer com os Onassis nas jóias - Furious Love informa-nos que a expressão spending money like the Burtons passou a designar os perdulários; na forma como viviam foram do mundo - e quase literalmente, porque uma parte da vida familiar dos Burtons, eles e os filhos dele e os filhos dela, foi vivida a bordo de um iate, o Kalizma, que ia de porto em porto, sulcando o Mediterrâneo, por exemplo, para compras - eles que destestavam andar de avião e assim sentiam a sua vida mais protegida. John Guielgud, que entrou no Kalizma, contou que a vida dos Burtons era cuidada por "14 marinheiros portugueses". E quando não era o Kalizma, quando teve de ir para obras, foi a vez do Beatrice and Bolívia, que ancorou no Tamisa quando os Burtons passaram uma temporada em Londres, alugado por 21 mil dólares por mês, porque Liz não queria que os seus cães fossem submetidos ao programa obrigatório de quarentena antes de entrarem em território britânico - a imprensa não perdoou: "O canil mais caro do mundo."E os diamantes. O Krupp - que fez a princesa Margarida abrir os olhos em choque, "é tão grande, que vulgar", e Liz abrir os olhos de gulodice: "É, não é, maravilhoso!" O La Peregrina, o Ping-Pong, o Taylor-Burton, que só podia ser usado, regras da seguradora, 30 dias por ano. As lutas, o álcool, as desintoxicações de Richard...

Em 1970, para a cerimónia dos Óscares, os Burtons fizeram a tournée mediática necessária para promover Anne of a thousand days (Charles Jarrott), hipótese de Burton receber, finalmente, o Óscar que lhe faltava. Quando deixaram o iate que os protegia, perceberam que Hollywood mudara. A MGM estava à venda, e a tanga de Johnny Weissmuller, e os sapatos vermelhos que Judy Garland usara no Feiticeiro de Oz, e o guarda-chuva de Gene Kelly de Serenata à Chuva. Pormenor relevante: Steven Spielberg começava a filmar a sua primeira curta. Números: 20 por cento da população tinha menos de 30 anos e constituía 73 por cento do público de cinema. Os movie brats vinham a caminho, e os rostos e corpos de DeNiro, Dustin Hoffman, Diane Keaton, Ellen Burstyn ou Jane Fonda eram de outra natureza. Burton não ganhou o Óscar, e ainda por cima foi Elizabeth Taylor, que aceitara participar na cerimónia esperando que esse seria o ano do marido, que teve de entregar o Óscar do Melhor Filme a O Cowboy da Meia-Noite, de John Schlesinger, símbolo da "nova Hollywood" e o primeiro filme com a classificação X (para adultos) a ganhar um Óscar. Para a velha guarda de Hollywood, eram ainda os protagonistas de Le Scandale - e do filme que iniciou o princípio do fim para a 20th Century Fox, como um pavão que abre o leque para uma última vez; para a contracultura que tomava conta de Beverly Hills, eram um casal duvidoso. Alguém os descreveu nessa altura como "dois campeões de pesos pesados exaustos de tanta briga mas incapazes de se deixarem". Estavam no limbo.

Em 1965, Vincente Minnelli colocou-os como homem e mulher adúlteros em pleno Big Sur, em The Sandpiper - e com Eva Marie Saint a fazer de mulher abandonada da personagem de Burton na qual muitos viram um retrato de Sybil, a mulher de quem o actor se divorciara. A personagem de Taylor, uma mente livre, vivia em pleno milieu de beatnicks, nudistas, e etc., mas, para quem vivia rodeada de jóias e de dólares na vida real, transformar-se em ícone da contracultura dos 60s era tarefa inglória. E não tinha o corpo andrógino que começava a estar na moda. O filme foi olhado com desdém e com desconfiança por um (novo) público emergente. Era um sinal de que um mundo estava a acabar. Mas antes disso houve um golpe de rins, Quem Tem Medo de Virginia Woolf (Mike Nichols, 1966): Liz engordou, "envelheceu" para fazer de Martha, e Richard permitiu todo o espaço à mulher para brilhar fazendo de humilhado George. Jeu de massacre, Quem Tem Medo de Virginia Woolf permitiu aos dois darem azo à sua fisicalidade: como se, ao bater em Richard/George, Liz pacificasse a sua necessidade de luta. E Martha/Liz começa logo a abrir com o seu What a dump!, imitação de uma line famosa de Bette Davis. Foi o segundo Óscar para ela (o primeiro, em 1960, foi com Butterfield 8), mas não haveria nenhum para Burton. Só que, por mais bravado que exista na Martha da actriz, quem foi ao cinema não via as personagens, via Liz e Dick, que nunca poderiam desaparecer naquilo que interpretavam.

E o mesmo aconteceu com A Fera Amansada (1967), de Franco Zefirelli, versão feliz e rocambolesca, via Shakespeare, da turbulência conjugal dos Burtons. Com a incontinência de calão que Liz alardeava. E foi outro sucesso.

Os biógrafos falam na série de filmes que fizeram juntos como um espelho que não os deixava. E quanto a ela, a Liz, como uma espécie de inversão da actriz do Método: como se tivesse aprendido a escolher os filmes por aquilo que estava a acontecer na sua vida, sim, mas sobretudo acabando por ser empurrada na vida pelo imaginário das personagens e dos filmes. Joseph L. Mankiewicz: "Ela era o oposto da maioria das outras estrelas... para ela, viver era uma espécie de actuação" - provavelmente estaria a lembrar-se (isto somos nós a perpetuar o mito...) de uma cena de ciúmes de Cleópatra por causa de Marco António, em que Taylor teria gritado... Sybil.

O golpe de rins que foi Quem Tem Medo de Virginia Woolf e o sucesso comercial e artístico da empreitada não vieram escamotear que se foram o primeiro casal reality show, o show estava a acabar: eles foram os últimos de uma espécie. Na obsessão de concorrer com os Onassis nas jóias - Furious Love informa-nos que a expressão spending money like the Burtons passou a designar os perdulários; na forma como viviam foram do mundo - e quase literalmente, porque uma parte da vida familiar dos Burtons, eles e os filhos dele e os filhos dela, foi vivida a bordo de um iate, o Kalizma, que ia de porto em porto, sulcando o Mediterrâneo, por exemplo, para compras - eles que destestavam andar de avião e assim sentiam a sua vida mais protegida. John Guielgud, que entrou no Kalizma, contou que a vida dos Burtons era cuidada por "14 marinheiros portugueses". E quando não era o Kalizma, quando teve de ir para obras, foi a vez do Beatrice and Bolívia, que ancorou no Tamisa quando os Burtons passaram uma temporada em Londres, alugado por 21 mil dólares por mês, porque Liz não queria que os seus cães fossem submetidos ao programa obrigatório de quarentena antes de entrarem em território britânico - a imprensa não perdoou: "O canil mais caro do mundo."E os diamantes. O Krupp - que fez a princesa Margarida abrir os olhos em choque, "é tão grande, que vulgar", e Liz abrir os olhos de gulodice: "É, não é, maravilhoso!" O La Peregrina, o Ping-Pong, o Taylor-Burton, que só podia ser usado, regras da seguradora, 30 dias por ano. As lutas, o álcool, as desintoxicações de Richard...

Em 1970, para a cerimónia dos Óscares, os Burtons fizeram a tournée mediática necessária para promover Anne of a thousand days (Charles Jarrott), hipótese de Burton receber, finalmente, o Óscar que lhe faltava. Quando deixaram o iate que os protegia, perceberam que Hollywood mudara. A MGM estava à venda, e a tanga de Johnny Weissmuller, e os sapatos vermelhos que Judy Garland usara no Feiticeiro de Oz, e o guarda-chuva de Gene Kelly de Serenata à Chuva. Pormenor relevante: Steven Spielberg começava a filmar a sua primeira curta. Números: 20 por cento da população tinha menos de 30 anos e constituía 73 por cento do público de cinema. Os movie brats vinham a caminho, e os rostos e corpos de DeNiro, Dustin Hoffman, Diane Keaton, Ellen Burstyn ou Jane Fonda eram de outra natureza. Burton não ganhou o Óscar, e ainda por cima foi Elizabeth Taylor, que aceitara participar na cerimónia esperando que esse seria o ano do marido, que teve de entregar o Óscar do Melhor Filme a O Cowboy da Meia-Noite, de John Schlesinger, símbolo da "nova Hollywood" e o primeiro filme com a classificação X (para adultos) a ganhar um Óscar. Para a velha guarda de Hollywood, eram ainda os protagonistas de Le Scandale - e do filme que iniciou o princípio do fim para a 20th Century Fox, como um pavão que abre o leque para uma última vez; para a contracultura que tomava conta de Beverly Hills, eram um casal duvidoso. Alguém os descreveu nessa altura como "dois campeões de pesos pesados exaustos de tanta briga mas incapazes de se deixarem". Estavam no limbo.

Elizabeth Taylor receberia ainda mais uma carta de Richard Burton. Ele tinha-a enviado a 2 de Agosto de 1982. Três dias depois, ausentou-se da sala na casa que partilhava com a sua quinta mulher, Sally Hay, queixando-se de dores de cabeça. Morria nessa noite, vítima de hemorragia cerebral. Elizabeth recebeu a carta dias depois da morte de Burton. Foi a única carta que Taylor não disponibilizou a Sam Kashner e Nancy Schoenberger. Vamos ler o que eles contam, no final de Furious Love: "Era uma carta de amor a Elizabeth, e nela ele dizia-lhe o que ele queria. Elizabeth estava em casa e ele queria regressar a casa. Desde essa altura ela mantém essa carta na mesa de cabeceira."



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