10/09/2010

FERNANDO CALHAU

Fernando Calhau é um caso singular da história de arte em Portugal pelo o que, em boa hora, a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu, no âmbito das comemorações dos seus cinquenta anos, em 2007, organizar uma mostra que relembra e revisita o seu trabalho, numa exposição dividida em duas fases e com o titulo “Convocação I e II”.

Calhau nasceu em Lisboa em 1948 e fez a sua primeira exposição na Cooperativa Gravura (“Gravuras Brancas”), aos vinte anos. Cursou Pintura na Escola de Belas-Artes da capital onde conheceu alguns dos que se tornaram seus amigos para a vida. Com Julião Sarmento, seu companheiro de Escola e “cúmplice” ao longo da vida – trabalharam juntos, também, na antiga Secretaria de Estado da Cultura, a partir de 1976, sob a égide de Eduardo Prado Coelho – aventurou-se na utilização de novos materiais e diferentes suportes, criando uma autêntica revolução na Escola e no meio artístico, essencialmente conservador.

Calhau e Sarmento pintavam com tinta acrílica, desdenhando o óleo que era considerado como o material dos “verdadeiros artistas”, e secavam rapidamente os trabalhos, ao sol, no pátio da Escola. Queriam experimentar bem e depressa. Resolutamente, procuravam informação que viesse dos Estados Unidos e de Inglaterra, contrariando a tendência dos artistas portugueses para se virarem para Paris, algo que permanecia desde o século XIX.

Com a cabeça cheia de arte Pop e de Rock n’ Roll, Fernando Calhau, mal terminou a licenciatura, em 1973, partiu para Londres com uma Bolsa da Fundação Gulbenkian e ingressou na famosa Slade School of Arts , onde se especializou em técnicas de gravura. Durante um ano trabalhou nas suas pesquisas, que incluíram o início do uso da fotografia para fixar texturas como erva, rochas, mar e areia que se transformaram em fotogravuras e, mais tarde, em filmes (“Mar” I, II e III - 1976). Calhau professava um interesse especial pela produção em série.

Os anos setenta foram de intensa actividade. Fazem parte deste período os “quadros verdes” e desenhos (lápis de cor sobre papel), bem como as impressões heliográficas, os desenhos a tinta permanente e os filmes Super 8. Artistas como Donald Judd, Joseph Kosuth, Lawrence Weiner, Joseph Beuys faziam parte do seu universo, o conceptualismo impunha-se e Calhau explorava com firmeza os duros caminhos da rotura com a tradição artística, trabalhando exaustivamente a forma e a cor.

Inclui trabalhos realizados a partir das mais diversas técnicas e materiais (carvão, grafite, lápis de cor e serigrafia, tinta permanente, entre outros) que se inscrevem num amplo leque de tipologias, demonstra a importância que o desenho tem na obra de Fernando Calhau.

A sua pintura, seja em suporte tradicional ou não, reflecte uma busca metafísica e uma quase “irrealidade” que irá marcar a sua vida e obra até ao ano da sua morte, em 2002, quando também inaugura a grande exposição na Fundação Gulbenkian “Work in Progress”.

Na longa entrevista que deu a Delfim Sardo e que consta do catálogo de “Work in Progress” diz Fernando Calhau: “Interessa-me muito pouca coisa (em arte). Interessa-me o (Donald) Judd, o Vermeer, “A Tempestade” do Giorgione, o Giotto. Interesso-me sempre por artistas rígidos. Interessa-me o (Richard) Serra, o Warhol. Quase toda a Pop. Gosto de outras coisas com uma componente afectiva que não consigo dissociar. Gosto do trabalho do Julião Sarmento, da pintura do Michael Biberstein, do Douglas Gordon.” Assim era o Fernando Calhau: um grande pintor com gostos precisos e ecléticos, um extraordinário artista com uma formação fora do comum e um amigo terno, possuidor de um notável e refinadíssimo sentido de humor.

Quem o conheceu desde os tempos da Escola recorda sempre a forma desarmante como, com notável inteligência, sabia desmistificar os incontáveis enganos da vida. O homem que se considerava pintor acima de tudo enfrentou o drama da doença, do cancro que o foi devastando, com uma fortaleza, dignidade e desassombro invulgares. A brutal seriedade da morte tornou-se visível no seu trabalho mas a coragem e a tranquilidade com que encarou o seu fim transformou a sua obra em algo de uma beleza única, um exemplo muito raro de consciencialização e de iluminação.

Fernando Calhau, Work In Progress, 2001, documentário sobre a obra de Fernando Calhau.


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